Na Vila Mariana, em São Paulo (SP), fica a Casa da rua Santa Cruz, primeira obra moderna no Brasil, de 1928. Foi o lar de Gregori Warchavchik e de Mina Klabin, sua esposa.Em meio aos preparativos finais de CASACOR São Paulo, que estreia em 28 de maio, três profissionais do elenco compartilharam suas reflexões sobre a importância do legado modernista de Gregori Warchavchik (1896-1972).
A obra do arquiteto russo naturalizado brasileiro é revisitada atualmente em uma exposição em cartaz em São Paulo, mas suas ideias não ficaram presas ao passado. A ruptura que seu desenho representou no início do século XX ainda não foi completamente assimilada e continua a ter um potencial revolucionário na arquitetura, na visão dos profissionais com quem conversamos.
Otto Felix: ruptura ainda em curso
“A ruptura nos anos 1920 é tão importante que até hoje não se conseguiu quebrar a ligação com o clássico, que já não fazia sentido naquela época e ainda hoje tentam reproduzir. Só depois de muito tempo e de grandes nomes do modernismo atual – como Marcio Kogan e Isay Weinfeld – é que começamos a ver uma popularização do contemporâneo, das casas retas e sem adornos, que eles chamavam de postiços”, afirma Otto Felix, que assina a Casa das Sibipirunas na CASACOR São Paulo 2019.
O discurso e a atitude de ruptura materializado por Warchavchik carregam a influência do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, que ele conhecia e do qual foi embaixador em um congresso no Brasil. Foi Le Corbusier quem propôs, por volta de 1926, os conhecidos cinco pontos da arquitetura moderna:
- Pilotis
- Fachada livre
- Janelas em fita
- Terraço jardim
- Planta livre
“Warchavchik estava atento, escreveu um manifesto e construiu a primeira casa modernista do Brasil. Isso deu um peso para o movimento no país”, avalia Otto. “É bom lembrar que a segunda casa modernista do Brasil é de Flávio de Carvalho e vem logo depois, em 1933, em Valinhos (SP). Participei do restauro dela”, destaca Otto.
Em um trecho do manifesto, Warchavchik afirma: “O arquiteto, educado no espírito das tradições clássicas, não compreendendo que o edifício é um organismo construtivo cuja fachada é sua cara, prega uma fachada postiça, imitação de algum velho estilo, e chega muitas vezes a sacrificar as nossas comodidades por uma beleza ilusória (…) Abaixo as decorações absurdas e viva a construção lógica, eis a divisa que deve ser adotada pelo arquiteto moderno”.
Marília Pellegrini: o conceito da máquina de morar
“Quando Warchavchik chegou aqui, as referências que os brasileiros tinham da arquitetura ainda eram da francesa, do movimento Art Nouveau, da Belle Époque. Ele simplesmente negou isso tudo”, ressalta a profissional, que desenvolve a Casa Contêiner Cosentino na mostra paulista.
As linhas eficientes das máquinas da Revolução Industrial, que indicavam para Warchavchik e outros arquitetos a esperança de um mundo melhor, foram uma referência para o traçado limpo do modernismo.
“Dentro dos preceitos da ‘máquina de morar’ de Le Corbusier e Gropius, Warchavchik achava um absurdo a arquitetura não acompanhar a evolução do mundo moderno na mesma intensidade com que as máquinas se modernizavam. Nas suas obras, ele trouxe algo aqui ainda desconhecido, de um movimento que o mundo ja via na Alemanha através da Bauhaus e que ja se espalhava pelos Estados Unidos e pelo resto da Europa”, explica Marília.
“Dentro do mesmo racionalismo e funcionalismo, ele traduziu também a vontade de uma época no mobiliário de linhas simples, utilizando madeira brasileira e super atual ate hoje. Eu mesma uso muito as mesas do Warchavchik nas minhas obras. São quase 100 anos da chegada dele no Brasil e o que ele fazia ainda se faz hoje. Foi visionário e essencial para a transformação da arquitetura Brasileira da era moderna”, conclui Marília.
Neste projeto, Marília Pellegrini utiliza duas mesas de Warchavchik, uma de cada lado do sofá.
Leo Romano: a inteligência na estratégia de Warchavchik
Para Leo Romano, que assina o projeto Paredes Mágica, um ponto importante foi a astúcia de Warchavchik para se antecipar às possíveis críticas diante de sua obra.
“Na casa modernista, enfrentando imposições da Prefeitura, ele apresentou o projeto com um desenho clássico – mas já pensando nas formas da construção sem os adornos. No final, ele termina a casa sem os ornamentos e alega falta de dinheiro. O que não aconteceu, pois ele casou com uma mulher rica e convivia no meio de gente muito abastada. Isso foi genial. Ele rompe com uma estética quando isso era quase uma contravenção e colabora definidamente para a implantação da nossa arquitetura modernista brasileira”, afirma Leo Romano.
“Acho muito bonita a elegância e a simplicidade das linhas, a pureza dos monoblocos e dos volumes que ele criava. Acho muito bonita a expressividade da volumetria que ele cria. Warchavchik é infelizmente um nome e pouco lembrado nos nossos dias. Merece mais visibilidade e reconhecimento”, pontua Leo Romano.