Casa Malaparte: um inesquecível cenário do cinema de Jean-Luc Godard
Cenário do filme "O Desprezo", de Jean-Luc Godard, cineasta mestre da Nouvelle vague, a Casa Malaparte está completamente isolada na natureza de Capri
Existem locais, paisagens e cenas que vemos na tela do cinema que, muito depois de encerrada a sessão, ainda vivem com clareza na nossa memória. Pode-se dizer que a Casa Malaparte é uma delas: jóia arquitetônica erguida a 31 metros acima do nível do mar Punta Massullo, na ilha de Capri, a casa é cenário do longa O Desprezo (Le mépris, 1963), dirigido por Jean-Luc Godard, mestre da Nouvelle vague que morreu ontem aos 91 anos.
Com uma arquitetura fora do comum, e cercada por uma aura de mistério, a casa não é atribuída a nenhum estilo arquitetônico específico, tendo sido finalizada em 1941 por Curzio Malaparte, italiano que desenvolveu suas habilidades em diversas áreas do conhecimento, mas que não era arquiteto de formação. Ao longo de sua vida, Malaparte se referiu à Casa Malaparte como “casa come me“ (em tradução, “casa como eu”).
A “estranheza” que muitos sentem ao observar a casa se dá em sua fundamentação: só podendo ser acessada de barco ou à pé, a Casa Malaparte constitui uma peregrinação arquitetônica por uma das áreas mais isoladas da ilha de Capri. Nas palavras do próprio Curzio: “Na parte mais selvagem, solitária e dramática de Capri, na parte voltada para o sul e leste, onde a ilha perde sua qualidade humana e se torna feroz, onde a natureza se expressa com uma força incomparável e cruel, há era um promontório de extraordinária pureza de linha, uma garra rochosa lançada ao mar”.
De início, Curzio Malaparte contratou o arquiteto Adalberto Libera, para trazer à vida suas ideias e expectativas para a residência. Libera criou uma estrutura racional, composta por um edifício retangular de dois andares, com salas idênticas ao longo de um corredor, como era esperado da arquitetura moderna em voga no período; no entanto, Malaparte desejava criar uma casa que refletisse suas necessidades e sua personalidade, e que fosse, em suma, mais complexa do que a proposta de Libera.
Assim, ao invés de criar janelas idênticas ao longo da sala de estar, Malaparte projetou a sala para incluir quatro janelas de tamanhos diferentes – cada uma oferecendo uma vista única de Capri, funcionando quase como uma galeria de arte. No final, Libera acabou renunciando ao trabalho, deixando Malaparte completar o empreendimento por conta própria. Uma curiosidade: até o final da década de 1980, a Casa Malaparte era atribuída a Libera, até que uma pesquisa de Marida Talamona revelasse o contrário.
Imaginada de dentro para fora, a Casa Malaparte foi criada com contrastes gritantes, exemplificados pela diferença entre a sala de estar e a sala de jantar: enquanto o grande estar é inconveniente para conversas, constituindo-se de um espaço isolado destinado à meditação e introspecção; a sala de jantar é um cubo quase claustrofóbico, dominado por um grande fogão acentuado pela madeira escura.
A escada com efeito ‘escada para o céu’ é sem dúvida a característica mais reconhecível da casa. Com formato de pirâmide invertida, tornando-se mais larga à medida que se aproxima da grande e plana área do telhado, a escadaria se tornou mundialmente famosa após o lançamento do filme de Godard, e também foi cenário para uma campanha da Yves Saint Laurent com Kate Moss em 2018.
Outra curiosidade da construção é sua cor vermelha, que muda de tom de acordo com o posicionamento do sol. Isso que dizer que, ao meio-dia, quando o sol está mais forte, o prédio é iluminado, enquanto no momento em que o sol enfraquece, o prédio começa a emitir um efeito brilhante mais sinistro. A ideia aqui era fazer parecer como se edifício estivesse em constante mudança, nunca sendo o mesmo duas vezes.
Além disso, o projeto paisagístico leva em consideração a vegetação à frente e nas laterais da casa, que foi cuidadosamente trabalhada de forma a deixar evidente a mínima intervenção da construção no ambiente natural imediato.