Infinito Particular: tema da CASACOR 2022 reflete sobre casas com história
Como resposta à necessidade de encontrar equilíbrio e seguir adiante em tempos conturbados, surge o conceito para as mostras deste ano: Infinito Particular
Uma matéria publicada no The New York Times em 15 de janeiro deste ano tenta desvendar o fascínio provocado pela foto de uma biblioteca que, volta e meia, aparece nas redes sociais e desencadeia uma enxurrada de comentários entusiasmados e reposts. O texto esclarece que o ambiente já nem existe mais — foi desmontado após a morte de seu dono, o professor de literatura comparada norte-americano Richard Macksey, em 2019. Porém o encanto perdura: pé-direito duplo, estantes lotadas de alto a baixo, pilhas de volumes pelo chão. Por que a imagem viralizou? Porque mostra um lugar bem vivido e cheio de história, e espaços assim funcionam como antídoto contra as incertezas dos tempos atuais.
Após dois anos de pandemia de Covid-19, o sentimento de exaustão é generalizado. Fora isso, a humanidade tem pela frente outros problemas de proporções gigantescas, como as mudanças climáticas, a crise financeira, a desigualdade social e racial e conflitos como a Guerra da Ucrânia, causados pelo redesenho do equilíbrio de forças na política internacional. Quando o mundo exterior apresenta desafios tão imensos, é natural procurar refúgio na vida doméstica. Valores simbólicos associados à casa, como proteção, estabilidade, tranquilidade e bem-estar, ganham ainda mais relevância. Cresce a necessidade de dar forma ao nosso infinito particular — abrigo de lembranças, paixões e prazeres.
Casa Janss Dan Brunn Architecture – Brandon Shigeta. A casa, que se tornou referência em Los Angeles nos ano anos 1970 e 80, foi reformada por Dan Brunn, reconhecido por sua linguagem minimalista
Uma casa com essas características, porém, não nasce do dia para a noite. Ela é resultado de experiências e escolhas pessoais. “O morador precisa olhar ao redor e se reconhecer”, diz Graziela Nivoloni, arquiteta e professora dos cursos de design de interiores e produto no IED-SP. “Para isso, o profissional de arquitetura e décor deve investigar mais a fundo as individualidades e fazer um bom exercício de escuta. O projeto se torna fruto de cocriação”, completa. Quando o ambiente coloca em evidência o repertório dos moradores, ganha o poder de proporcionar suporte emocional. “O isolamento social nos fez perceber que temos carência de toque”, explica a estudiosa de tendências Iza Dezon, fundadora da consultoria Dezon. “Por isso, desejamos casas pensadas para suprir essa necessidade, com materiais e cores que despertem os sentidos e abracem”.
O infinito particular, portanto, representa um refúgio biográfico — acervo de memórias e porto seguro dos moradores. Na era hiperdigital, porém, a expressão recebe outra camada de significado: as casas hoje se desdobram em inúmeras funções e possibilidades. “A tela virou um ambiente do lar: um portal de acesso a reuniões de trabalho, aulas de ginástica, consultas médicas, serviços financeiros e opções culturais”, diz Barão di Sarno, designer e sócio-fundador da consultoria de inovação Questtonó. No início da pandemia, o fenômeno aconteceu por questão de segurança. “Ao longo do isolamento social, esse comportamento se consolidou e os moradores agora desejam mantê-lo em nome da conveniência”, afirma Luiza Loyola, expert em futuro da WGSN, empresa global de estudos de tendências. Segundo pesquisa realizada em 2021 pela agência Ernst & Young em diversos países, 63% dos entrevistados já classificam como normais os hábitos digitais adquiridos durante o lockdown.
Enquanto o universo virtual se expandiu, o espaço de circulação físico encolheu. “Com as restrições para viajar, ganhou força o movimento de redescobrir a cidade. Houve uma valorização das áreas coletivas ao ar livre e do comércio local”, explica Maurício Medeiros, arquiteto, consultor de inovação e professor de tendências sócio-culturais no IED-SP. A lógica de fortalecer os microcosmos comunitários está na origem do conceito de “cidade de 15 minutos”, criado pelo pensador franco-colombiano Carlos Moreno, professor da Universidade Paris 1 Panthéon Sorbonne. Segundo essa proposta, o tecido urbano deve ser planejado de forma que os habitantes encontrem casa, escola, trabalho, compras, serviços e lazer a uma distância de 15 minutos. A ideia visa combater as mudanças climáticas: quanto menos deslocamentos, menos emissões de carbono. Claro, ela envolve abrir mão de confortos. Mas, nos últimos dois anos, o ser humano descobriu que é capaz de se adaptar a um novo estilo de vida rapidamente quando a sobrevivência está em jogo.